terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

MEMORIAS DE UMA
 DIRETORA DE ESCOLA
N° 03
 
Mês de Maio, Dia do Desafio. A Prefeitura Municipal de Agudos solicitou que as escolas levassem os alunos até a Praça Tiradentes, para fazerem 15 minutos de exercícios. Isso deveria acontecer as 16:00 horas. Eu já estava preocupada, pois o encontro de todas as escolas poderia ser desastroso, uma vez que nessa época existiam gangs nas escolas.

Por volta das 14:00 horas chegam em minha sala o sargento e dois soldados ordenando que eu os acompanhassem até uma determinada sala de aula para recolher uma arma.
Sem saber do que se tratava eu solicitei uma explicação. O sargento me disse que alunas haviam ligado do orelhão da escola, para a polícia, dizendo que dentro da sala tinha um aluno com um revolver, e ainda me perguntou como eu não sabia disso?
Disse-lhe que o orelhão ficava no pátio, com acesso a qualquer aluno. E que ninguém havia me procurado para falar sobre o assunto. Assim sendo eu não podia saber sobre o assunto, mas eu acreditava que fosse brincadeira. O sargento afirmou que não era brincadeira, uma vez que a descrição do aluno tinha sido dada, além da série e sala.
Fui com o sargento e com os dois soldados até a referida sala, uma 8ª série. No corredor, o sargento pediu que eu entrasse na sala e tirasse as alunas da sala.
Pedi licença para a professora e solicitei que as alunas saíssem da sala. Os soldados e o sargento entraram na sala e mandaram todos os alunos para o fundo da sala e colocassem as mãos na parede. Todos se levantaram e foram para o fundo. Só ficou o aluno que sentava na primeira carteira que, de pé e retirando algo da cintura falou:
- É isso que os senhores procuram? - e entregou um revolver ao policial continuando – Eu apenas estou guardando para um menino ir jogar bola.
O sargento recolheu a arma imediatamente e a escondeu, não dando tempo para que os outros alunos vissem qualquer coisa.
Pedimos ao aluno que nos acompanhasse e saímos da sala. Nesse momento, algumas alunas correram em nossa direção dizendo que o dono da arma esperava por nós.
Um aluno da 2ª série do Ensino Médio veio em nossa direção e afirmou:
- A arma é minha.
Já em minha sala, o assunto foi esclarecido.
João, o aluno da 2ª série do Ensino Médio, trouxe a arma para a escola, pois sabia que íamos até a Praça Tiradentes encontrar com outras escolas e, como na EE Nilza Santarém tinha uma gang que não gostava dele, se houvesse briga, ele poderia se defender. Mas, como tinha aula de Educação Física e ia jogar futsal, pediu para que Armando, aluno da 8ª série segurasse a arma para ele. Quanto à arma, afirmou que encontrou no canavial próximo a sua casa. Lógico que a numeração estava raspada.
Armando era um menino tímido e educado, enquanto João, era agressivo e muito indisciplinado.
O sargento pediu que o acompanhássemos à Delegacia de Policia, levando os alunos. Perguntamos aos alunos sobre os seus pais que também precisavam estar lá. O João não tinha pai e a mãe estava trabalhando e quanto ao Armando, o pai também estava trabalhando e não havia como chamá-lo. Foi então chamado o Conselho Tutelar para acompanhar os menores.
Resumindo toda a história: Eu e a Coordenadora fomos até a Delegacia de Policia e depois ao Forum. Passamos a tarde toda contando a mesma história para diferentes pessoas e só voltamos para nossas casas às 19:00 horas. Para quem deixaria o serviço às 17:00 horas, foram 2 horas a mais, doadas ao Estado.
Às 19:30 horas, depois de jantar correndo, estava eu, de volta à escola para uma reunião da Associação de Pais e Mestres. Durante a reunião, o inspetor de alunos me chamou e disse que a TV Globo de Bauru estava na escola e o repórter queria conversar comigo.
Sai da reunião e fui atender o repórter. Fui clara quando disse que não queria gravar entrevista, mas o cameraman me filmou de longe sem que eu percebesse. Contei a história para o repórter Giuliano Tamura e me despedi. Quando voltei para a reunião e contei o que havia acontecido vários professores disseram que não sabiam de nada. Apenas haviam estranhado a minha ausência e a da coordenadora.
No dia seguinte às 12 horas, a noticia estava na TV Globo, para a região inteira de Bauru. Mostrando a frente da escola e a “minha cara”. A partir das 12:30 horas, as mães já estavam na porta de minha sala, querendo retirar seus filhos da escola.
Para solucionarmos o assunto, reuni o Conselho de Escola que, depois de ouvir todos os envolvidos, inclusive os pais, pediu que os alunos fossem transferidos para outras escolas até que os ânimos da comunidade se acalmasse. O pai de Armando, o levou para a EE Nilza Santarém, mais próximo de sua casa, dando toda a razão para o Conselho de Escola. Mas a mãe de João não queria retirar o filho da escola, dizia que não havia escola para o “filhinho” dela. Após muita conversa e depois de um mês, a mãe levou o filho para a Escola Serelepe. Só assim as mães dos bons alunos se acalmaram e deixaram seus filhos continuarem estudando na escola.

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